terça-feira, 1 de setembro de 2015

Pele IV

PELE IV

Luiz Jorge Ferreira
(Osasco - SP)












Sobre a mesa uma natureza morta de Paul Cézanne,
E uma janela feita de riscos de giz.
Ponteiros, relógios, tic-tacs e pulsar de coração se encontram
E se atrapalham no porão que o silêncio cria.

Para quê conservo em mim esta pele cheia de nódoas?
Para que guardo passos debaixo de passos,
como caranguejos abraçados a si mesmos, 
achando estranho tudo isso?

Ponho dois copos sobre a mesa,
um para que eu tome,
outro para que Fernando Pessoa beba.

Mas nada há além da mesa,
nada além da janela,
mesmo que eu creia 
que um intenso universo pulsa lá fora.

Nada se arrasta com o “apelido” de tempo,
afora meus pensamentos e minha sensação de onipresença, 
como seu fosse Cristo ou Einstein ou Lavoisier,
ou um dos magos com as mãos exalando incenso e mirra. 

Estou defronte da mesa,
da natureza morta de Paul Cézanne
e de uma janela feita de riscos de giz, 
ela indiferente ao enigma que eu mesmo crio,
como crio a janela que de giz existe apenas no meu imaginário.

De repente fecha suas duas partes do todo. 
Não ouço mais o universo,
com seus trovões, raios e sopros de ventos alucinados.

Agora só o silêncio da sala enche todos os cantos.

Começo a retirar a pele, 
começo ao redor dos olhos. 
Eles têm restos de olhares que caíram 
quando cansaram de mirar horizontes. 
Arranco os que estão mais perto,
e espalho os que estão mais longe.

Vejo que o copo parece ter sido tomado.
Fernando o bebeu ou o tempo que detesto não poder deter
a tempo de terminar de retirar a pele o secou, 
como para me avisar que não sou mais o mesmo
que iniciou a dois e quarenta e cinco segundos 
este fato de escrever?

Olho a natureza morta: parece que flora.
Olho a metade de minha pele arrancada, 
com um tapete jogado ao chão...

Quantos sinais vejo na região das costas,
este pedaço que nunca olhei? 
Quantas marcas, quantos pelos,
quantos anos carregando todos esses? 

Tudo está tonto e noto que todos os passos que dei 
estão amontoados sob a mesa
junto com a pele do resto do corpo.  

E não estou morto. 
Como sei?

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