terça-feira, 1 de setembro de 2015

O tapete azul celeste

O TAPETE AZUL CELESTE

Sheila Regina Sarra
(São Paulo - SP)


Ao entrar na sala do chefe, a primeira impressão que tive foi de um ambiente excessivamente formal, austero e cerimonioso. O mobiliário era escuro e requintado; as suntuosas cadeiras refletiam, pela altura do espaldar, a hierarquia dos seus ocupantes; a decoração era sóbria e séria. Tudo refletia a gravidade e o comedimento que se impunha naquele local. Nunca havia estado lá e me sentia desconfortável e temeroso de não agradar. 
O chefe estava ocupado e, enquanto falava ao telefone, apontou-me uma cadeira para sentar e esperar. Mostrava-se agitado, contrariado, exaltado com a conversa. Experimentei uma sensação de constrangimento por ter entrado na sala em um momento tão desfavorável. Procurei, então, desprender o pensamento, distanciando-me da desavença que se desenrolava ao telefone. Para mim, esta era a melhor forma de afastar o embaraço da situação. 
Enquanto avaliava cada item da mobília, meu olhar se deteve em um tapete persa colocado em um canto da sala. Tinha fundo azul celeste e era todo desenhado com arabescos incrivelmente pequenos e detalhados. Lembrou-me uma imagem que havia visto em um livro de arte e me passava a impressão de ser infinita, eterna, imperturbável, estável. Uma delícia poder desprender o olhar daqueles móveis escuros e mergulhar naquele profundo azul celeste. Estava despretensiosamente colocado em desalinho com os móveis, mas, mesmo assim predominava no ambiente. Se fosse meu o escritório, colocaria essa preciosidade bem ao centro! Que maravilhoso seria...
      De repente, percebi que a conversa ao telefone havia terminado e estava sendo observada pelo meu chefe. Mudei rapidamente de postura e assumi uma atitude mais profissional, levantando-me para cumprimentá-lo. Mas, o tapete azul ainda preenchia minha mente, com seu encanto celestial, a sua placidez obstinada, a sua simplicidade significativa. Voltei à tona, quando as reclamações do chefe assumiram tons elevados. Era um homem carrancudo, intolerante, ríspido. Seus modos grosseiros o tornaram malquisto por todos. Não sabia do que reclamava; a empresa ia muito bem e a equipe se empenhava bastante. Talvez fosse o costume de sempre oprimir e ameaçar. O hábito de chefiar impondo medo aos subordinados.
      Deixei que continuasse o discurso e fixei minha mente na placidez daquele azul celeste e no enigma daqueles arabescos. De repente, aumentou o tom de voz e perguntou por que não respondia, por que me mantinha calado e distante. Não aceitava que lhe respondessem, mas também não aceitava quando ficavam calados com ares de insubordinação e arrogância. Para ele, o mundo estava doente, insalubre, nocivo! Foi, então, insultuoso ao comparar os jovens embusteiros da geração atual com o que chamou de insignificante tapete azul claro, falsificado e de má qualidade. Na opinião deste senhor, nenhum deles tinha valor real e deviam ser extirpados de sua empresa. Aproveitei a deixa e perguntei se poderia remover aquele lixo de sua magnífica sala. Eu e o tapete saímos em alguns segundos daquele ambiente degradante. Desde o início, havia sentido muita afinidade por aquele tapete. Ainda mais depois de termos sido injustificadamente vítimas de desaforos e insultos.
      Nunca mais voltei àquela empresa. Depois de ter subido na vida, conquistando projeção e admiração, resolvi verificar a procedência daquele tapete azul celeste que me acompanhou pelo resto da vida. Era realmente um tapete persa muito valioso. Uma obra de arte, cobiçada por muitos colecionadores. Naquele dia, o senhor que nos depreciara havia, realmente, cometido dois grandes enganos ao emitir um juízo de valor baseado no puro preconceito.
       Apesar do desprazer da situação pela qual passei, reconheço que foi um momento crucial para mudar de rumo. Às vezes, é preciso passar pela destruição para partir para a reconstrução.


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