terça-feira, 1 de setembro de 2015

Que pena

QUE PENA

Márcia Etelli Coelho
(São Paulo - SP)


        Muito se tem comentado sobre a dificuldade do escritor em começar um texto. Hoje, porém, eu me posiciono em direção contrária e fico insegura com as últimas estrofes de minha poesia. O que escolher? Um final dramático, uma mensagem emotiva ou uma frase marcante?
      Quem dera terminar com um puro sorriso tal qual Fernando Sabino em sua ultima crônica. Mesmo porque não tenho a pretensão de um verso viniciano infinito enquanto dure.
       Enquanto dure... É bem provável que aí esteja a origem da minha inquietude. Sei que ao finalizar minha poesia não mais terei o prazer que ela me proporcionou em cada metáfora que encontrei para expressar os sentimentos, prazer que compensou todo o esforço da procura. 
      Se nada dura para sempre, se há pouco tempo eu vi, estarrecida, cidades do Nepal desabarem com a força da natureza, como pretender perpetuar a sensação inebriante daquela escrita? 
     A verdade é que eu tratei o poema como um filho. Cuidei de harmonizar sua estrutura, tentei acatar regras, mas sem esquecer a liberdade de expressão. Também respeitei seu ritmo, mesmo quando ele divergia do meu. E agora, prestes a concluí-lo, eu me sinto como uma mãe que vê seu filho se distanciando no primeiro dia da escola, ou como um pai que conduz sua filha até o altar.
       Prendo a inspiração. 
       De certo não quero terminar minha poesia com a palavra adeus. Para mim, adeus não significa somente despedida. O “a” nega “Deus” e não combina com meus versos que exaltam a esperança e o amor. Então, por que não incluir essa palavra  – amor –  apesar do risco de parecer clichê? Uma vez eu li uma interpretação para esse termo. Era mais ou menos assim: “a” nega a “morte” e é justamente por isso que o amor está presente na essência de toda e qualquer manifestação de vida.
     Interessante como tantos nomes são utilizados para designar um mesmo fenômeno biológico: morte, óbito, falecimento, passamento, desenlace. Será que as várias denominações constituem um modo de dispersar o temor e suavizar a angústia que ela provoca?
       Fenômeno natural, não necessariamente o fim. 
      Lembro-me agora da frase do escritor Rubem Alves: “Eu não tenho medo de morrer. Tenho pena...” Sentimento também compartilhado nas declarações da apresentadora Hebe Camargo e do humorista Chico Anysio.
      Pois é! Pensando bem... Na hipótese de existir reencarnação, em uma próxima vida ninguém será o mesmo. As personalidades terão mudado, seremos acolhidos por outras pátrias e o orgulho pelas grandes ou pequenas conquistas não mais importarão. Até poderemos encontrar antigos amigos, porém, sem a lembrança, necessitaremos reconquistá-los. E pior: Nem é certo se eu conservarei a mesma paixão pela literatura.
      Eu só sei que hoje, com olhar sensível de artista, acredito que o amor pode sobreviver ao tempo e vencer a morte. Assim, minhas dúvidas se dissipam e eu confirmo minha intenção.
      Em menos de um minuto digito o último verso e salvo minha poesia, postando no Blog. A partir daí, ela seguirá seu próprio caminho. Quem sabe seja incluída em um livro. Pode ser que alguém a leia em um sarau. Eu, sinceramente, desejo apenas que ela desperte alguma emoção.
    Diante do computador, a tela em branco permite que eu enxergue o meu próprio reflexo, pouco nítido, como nebuloso ainda está o tema da próxima crônica. O futuro é uma incógnita, às vezes uma surpreendente comprovação. A morte? Inevitável. Quando ela vier (espero que bem distante) e eu descobrir o sentido do mundo e da vida, sentirei saudade do que eu sou agora e principalmente dos versos e prosas que deixarei de escrever... Que pena...

Nenhum comentário:

Postar um comentário