terça-feira, 1 de setembro de 2015

Muro da saudade

MURO DA SAUDADE

Nelson Jacintho
(Ribeirão Preto - SP)












Hoje ele faz aniversário. 
Acaba de aposentar-se,
após exercer a profissão de médico
por mais de quarenta anos...
Setenta anos de idade...
Bem vividos...? Mal vividos...?
Que importa, ainda está vivo...
Umas dores aqui, outras ali, 
mas pode andar...
Olhou para os amigos. 
Alguns já haviam partido,
outros, internados, outros, 
em cadeiras de rodas.
Um, sem a perna  direita, 
outro sem a esquerda.
Ele estava quase íntegro.
Perdera o apêndice aos vinte anos,
Passara uma das veias safenas para o coração,
mas, a outra está inteira.
O chuveiro roubou-lhe 
fios de cabelo da fronte,
os anos, um pouco do líquido
sinovial dos joelhos,
mas houve alguma compensação:
a cabeça ficou mais leve 
para pensar melhor,
e a reza na igreja, mais prolongada,
quando se ajoelha para pedir perdão
pelos seus pecados
que não foram tantos!
Foi fazer a barba em frente do espelho.
Viu na sua infância o moleque 
de pernas magras, de calças curtas
e pés no chão, fugindo pelo canto
do espelho, feito um serelepe!
Ele quis acompanhá-lo, 
mas o moleque correu,
correu depressa e foi se esconder
atrás do velho e longínquo
muro da saudade...

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