terça-feira, 1 de setembro de 2015

A entrada do sítio

A  ENTRADA DO SÍTIO
Segundo lugar no Concurso de Prosas

Sheila Regina Sarra
São Paulo (SP)


Assim que cheguei, fiquei perplexa. Na entrada do sítio ao lado, onde sempre houvera um portão amarelo circundado por uma cerca viva de flores coloridas, havia agora um feroz animal, escorraçando os eventuais visitantes. Seu latido denunciava qualquer um que passasse por lá. Não era grande, mas intimidava, rosnando de forma ameaçadora. Não convinha zombar daquela fera. Ao menor movimento, ele reagia com brutalidade de forma irracional.
Estava no interior de um jipe, bem protegida pela carroceria, mas, mesmo assim, me sentia incomodada com a violência explícita do animal. Estava solto no interior da propriedade e a única barreira que o separava do exterior era um portão de ferro com alambrado. Seu comportamento agressivo acabou com o singelo ambiente bucólico do campo. Não havia como silenciar a fera; latia por qualquer motivo: um pássaro, um réptil, um fruto que caísse da árvore, um outro animal passando; uma bicicleta; um carro.
Havia tempos que não visitava o sítio da família e desconhecia os novos vizinhos. Com esse cachorro na porta, não passavam a impressão de desejar ter contato com quem quer que fosse. A ideia de uma aproximação dissipava-se logo, ante a impressão de descortesia e animosidade provocada pela presença daquela fera. Pareciam querer aniquilar qualquer visitante que se atrevesse a passar perto do portão.
Nunca consegui ver quem eram esses vizinhos estranhos. Escolheram viver reclusos, reservados de qualquer contato com estranhos, entranhados em seu castelo secreto. As crianças criavam estórias mirabolantes sobre aqueles incomuns moradores, fantasiando à vontade. Apesar do apelo das mães para manter distância, procuravam descobrir o que se passava por lá. Subiam em árvores para espionar, usavam binóculos de longo alcance, mantinham guarda perto da entrada para ver se alguém chegava ou saía. Mas, nunca descobriram nada.
Todos tinham curiosidade, mas ninguém tinha coragem de se encaminhar até a portão e tentar um contato. Um dia, porém, aconteceu o pior. Uma das crianças pequenas havia desaparecido. Depois de muitas buscas, começou a prevalecer a ideia de que pudesse ter cruzado a cerca e entrado na propriedade ao lado. Os vizinhos se juntaram à família desesperada para ajudar a resolver a alarmante situação. Não havia alternativa, o jeito era se aproximar da ameaçadora propriedade e tentar um contato. Sentindo-se ameaçado, o cachorro latia e pulava com estardalhaço. Depois de muito barulho, percebemos a aproximação de um vulto. Cada um fantasiava a seu modo. Todos se perguntavam o que poderia acontecer a partir desse momento. Como seria o estranho vizinho. Depois de alguns minutos, percebemos, pela forma como se locomovia, que parecia ser uma criança. Com a aproximação do dono, o cachorro aquietou-se, afastando-se do portão. Enquanto acompanhávamos o desenrolar da cena, a menina desaparecida subitamente retornou, reaparecendo no meio de todos. Ninguém viu de onde veio; apenas notaram a sua presença quando já estava lá. As atenções se voltaram, então, para o reencontro da mãe aflita com a filha imprudente. A alegria era contagiante. Quando se lembraram do vizinho, já era tarde demais. O cachorro voltara a latir e o vulto da criança desaparecera. Não havia nenhum rastro do incomum vizinho.
Muitas explicações foram criadas em cima dessa estória. Na verdade, ninguém sabe, nem nunca viu o que se passava dentro daquele sítio. Somente o cachorro podia ser visto naquele lugar. Nada mais, além das lendas que se edificaram em cima do desconhecido.

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